fonte: Folha de SP

Ambientes estressantes, alta carga horária e grande fluxo de pessoas são condições relatadas em muitas profissões, mas o cenário vivido pelos profissionais da saúde carrega um agravante -o de ter que lidar cotidianamente com doenças, insucessos, dramas familiares e mortes.

“Era muita pressão: carga horária alta, grande fluxo de pacientes, lidar diretamente com a vida deles e ainda sofria assédio moral de médicos”, descreve Roberta Boechat, que trabalhou por três anos em um grande hospital
particular de São Paulo.

No final de 2016, a enfermeira foi parar no pronto-socorro com forte crise de enxaqueca e cansaço.

Segundo o diagnóstico médico, ela apresentava sintomas característicos da síndrome de burnout, distúrbio psíquico de caráter depressivo ligado à vida profissional.

Roberta foi afastada por quatro dias, passou a tomar medicamentos para dormir e decidiu, por conta própria, fazer acompanhamento psiquiátrico durante seis meses, mas não quis se afastar do trabalho, por achar que seria
pior para sua saúde mental.

Por gosto ou necessidade, esse cenário se repete, gerando um outro problema. “Hoje a preocupação maior não é com o absenteísmo, mas com o presenteísmo”, disse Mara Machado, diretora de conhecimento do IQG.

O neologismo identifica aquele nível de estresse em que o profissional continua trabalhando, mas com concentração e capacidade reduzidas. Só o corpo está lá, como define Fernanda Miranda, do Hospital do Trabalhador.

“Existem ambientes de trabalho realmente tiranos, as relações são violentas.No da saúde, temos pessoas doentes tratando de pessoas doentes”, disse Ronaldo Lira, procurador do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, durante o debate. “Sem esquecer que potencialmente somos todos pacientes.”

As políticas adotadas pela direção dos hospitais, segundo Lira, devem ser pautadas pela humanização da atividade, com imposição de limites da jornada de trabalho e de número de pacientes atendidos por equipe, além de mais respeito entre os profissionais de categorias diversas.

Outra reclamação frequente diz respeito ao papel dos médicos, que deveriam, na avaliação das equipes, assumir um papel de liderança na conscientização, o que nem sempre acontece.

O problema, segundo Renato Françoso Filho, vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), é que muitos deles prestam serviços a diversas instituições e não chegam a se familiarizar com o hospital ou os grupos com os quais trabalham. “A terceirização faz com que não criem vínculos com o ambiente de trabalho e as práticas adotadas lá dentro.”

Para o vice-presidente do Cremesp,a fidelização do médico é fundamental para facilitar uma cultura de minimização de riscos dentro dos ambientes hospitalares. “Investir na manutenção e no treinamento das equipes reforçaria o comprometimento com a prevenção.” Ronaldo Lira completa: “Não há como exigir fiscalização contínua, por isso a sensibilização das pessoas é fundamental.”